domingo, 21 de outubro de 2012

6. Everybody Hurts


Rony não deu um pio até o vestiário, nem olhou sequer uma única vez para Harry, Gina ou Hermione. Era como se todos os pesadelos do ano anterior, quando Harry sonhava com Gina e tinha medo de perder a amizade de Rony, tivessem se tornado realidade. Só que pior. Muito pior.
O silêncio magoado do amigo estava torturando Harry muito mais do que se ele explodisse, berrasse, batesse em Harry até ele virar paçoca. E quando Rony finalmente falasse? Harry conhecia Gina muito bem para saber que ela acabaria reagindo tão furiosamente quanto Rony, tão logo ele começasse a brigar, e… Deus do céu! Mione! E se o Rony brigasse com ela? A sensação de que uma morte rápida seria bem vinda, brincou na sua mente mais uma vez.
Os quatro entraram no vestiário e os dois rapazes se dirigiram ao armário para guardar o material do treino. Harry ouviu as meninas fecharem a porta atrás deles e não pode evitar comparar o som aos de uma grade se fechando sobre um condenado. Rony se afastou enquanto Harry trancava o armário e parou de frente para a parede, as mãos enfiadas no fundo dos bolsos da capa do uniforme, os olhos fixos em algum ponto no chão. Harry procurou o olhar das meninas. Mione tinha sentado em um dos bancos da sala e afundado a cabeça sobre uma das mãos. Gina, porém, já tinha perdido a postura acuada. Estava no centro da sala, com os braços cruzados, parecia tensa, mas encarava as costas do irmão com altivez.
Harry limpou a garganta.
– Rony… hamm… Olha, cara… – Gárgulas galopantes, o que ele ia dizer? – A gente ia contar… Sério… Estava tudo combinado. Só que…
Ele engasgou de novo, mas Gina prosseguiu com a voz mais firme que a dele.
– É Rony… Você só soube um pouquinho antes – ela fez um gesto meio sem graça. – Eu sei que não foi de uma forma muito legal, mas também não é nenhum fim do mundo.
– Você acha? – A voz de Rony soou esquisita de novo.
– Acho – confirmou Gina erguendo o queixo.
– Eu se eu não tivesse chegado naquela hora? – O rapaz continuava de costas.
– Quer mesmo saber?
– Gina não provoca… – gemeu Harry.
– Ahhh Harry, qual é? O Rony continua agindo como se tivesse algum poder sobre mim, como se a gente estivesse fazendo algo errado. Admito que pisamos na bola não contando que tínhamos voltado, mas daí ele bancar o marido traído porque flagrou um amasso. Ahhh… me poupe. Quer brigar com a gente por não ter contado, tudo bem! Mas não pelo que você viu… porque não foi nada de mais.
Harry lançou um olhar quase chocado para Gina. Tinha sido algo “demais” para o irmão. Aliás, seria “demais” para qualquer irmão. E Gina sabia disso. Não teria jogado mal do jeito que jogou no treino se achasse que estava tudo bem. Ela devolveu o olhar dele mexendo apressadamente com os lábios: “O que quer que eu faça? Tenho que tentar salvar a nossas peles!”
Harry revirou os olhos. Não achava que aquela fosse a tática mais apropriada. E, para seu desespero, Rony permaneceu quieto os intermináveis minutos seguintes.
– Rony – Harry resolveu falar, já que parecia que as idéias de Gina sobre “salvar as peles deles” não coincidiam com as suas sobre as possibilidades de melhorar aquela situação. – Eu sei que a gente errou feio com você, mas se você quer brigar, deixa as meninas de fora, ok? Elas queriam contar e eu é que fiquei atrasando de a gente falar e…
Rony se virou para olhá-lo, os olhos estreitados e uma expressão que parecia quase debochada e que definitivamente não combinava com ele. Harry engoliu em seco e continuou, ao mesmo tempo em que se aproximava de Gina e tocava de leve a sua mão, num pedido mudo para que ela ficasse quieta e o deixasse falar.
– Pode brigar comigo, ‘tá? – Falou com voz mais firme. Admitir que tinha feito besteira era o que ele melhor poderia fazer no momento. Rony já tinha feito isso uma vez quando, no quarto ano, tinha duvidado da palavra de Harry sobre a sua entrada no Torneio Tribuxo. O amigo tinha pedido desculpas pelo erro e Harry tinha aceitado. Implorava mentalmente que o ciúme de Rony fosse menor que o seu orgulho e que o amigo também o perdoasse. – Olha, eu é que devia ter ficado longe da Gina, eu é que não devia estar colocando ela em perigo novamente e… – sentiu Gina fazer um movimento impaciente ao seu lado, mas ele apenas segurou mais forte a mão dela e lançou outro olhar pedindo que ela o deixasse falar. – Elas queriam contar para você e eu… eu fiquei… sei lá… eu tinha medo que você…
“Ficasse regulando meu namoro com a sua irmã”. Mas isso Harry não poderia dizer sem piorar as coisas ainda mais. Sentia o rosto em fogo. Queria simplesmente acordar daquele pesadelo em que Rony, ao invés de reagir contra ele, o obrigava a tentar explicar o que ambos sabiam que não podia ser explicado. Rony não tirou os olhos dele e também não falou nada, parecia esperar que ele continuasse infinitamente aquele discurso horrível. Ele olhou para os lados quase em desespero. Hermione continuava de cabeça baixa e surpreendentemente parecia que não pretendia falar qualquer coisa. Fosse em sua própria defesa, fosse na de Harry e Gina, fosse para apoiar ou acalmar Rony.
– Rony fala alguma coisa, cara? – Harry agora já estava suplicando. – Qualquer coisa. Grita, me dá um soco, qualquer coisa, mas reage, por favor?
Rony modificou ligeiramente a expressão como se na frase de Harry houvesse finalmente uma boa idéia. Tirou as mãos dos bolsos com os punhos fechados e deu passo em direção a Harry. Mas antes que ele conseguisse dar o segundo passo, Gina tinha se colocado na frente do namorado.
– Você não vai bater no Harry, Rony! Nem vem!
– Gina – pediu Harry tentando tirá-la da sua frente.
– Não! – Ela continuou alteando a voz. – O Rony gosta de resolver tudo na força bruta e eu não vou deixar, ouviu?
Rony não pareceu se alterar muito, e com um jeito que Harry estava nervoso demais para notar a frieza, ele puxou a varinha e apontou para a irmã.
– Sai do caminho, Gina!
Mas dessa vez Harry acabou perdendo completamente o medo do que o amigo pudesse fazer com ele. Deu um puxão violento em Gina e a colocou atrás de si.
– Já disse que a sua briga é comigo, Rony! Na Gina você não toca!
Rony arregalou os olhos por um instante e no segundo seguinte, como se estivesse se controlando há um bom tempo caiu na risada. Completamente atônitos Harry e Gina olharam diretamente para Hermione e perceberam que ela havia erguido a cabeça e ria bobamente. Rony parecia não conseguir mais se segurar e, quanto mais chocados a irmã e o amigo pareciam, mais ele ria. Cambaleou jogando-se no banco ao lado da namorada.
– Vocês dois são patéticos – falou quase sem fôlego.
– Você sabia! – Acusou Gina, cujos olhos faiscavam em direção ao irmão.
– Claro que eu sabia – assentiu Rony tentando respirar – que espécie de idiota vocês acham que eu sou?
Gina deu um bufo parecendo um gato raivoso.
– Quer que eu diga?
Rony parou de rir, o humor evaporando na mesma medida em que as orelhas começavam a mudar de cor.
– Gina, por favor – Harry, que agora voltara a ver vida com olhos esperançosos, pegou novamente na mão de Gina numa tentativa de segurá-la e manter Rony, misericordiosamente, rindo.
– Por que não nos disse que tinha contado para ele, Mione? – Perguntou Gina olhando magoada para a amiga.
– Eu não contei – defendeu-se Hermione.
– A Mione não costuma trair a confiança dos amigos dela – alfinetou Rony passando o braço por cima dos ombros da namorada. – Vocês dois podem ser grandes mentirosos – ele lhes apontou o dedo acusadoramente – mas só quem não viu a Gina no verão ou o Harry no casamento do Gui para não notar que os dois andavam felizinhos demais desde pouco antes daquele jogo contra a Corvinal. A Gina cantando baixinho… zanzando pelo castelo quase tão “atenta” quanto a Di-Lua. O Harry, com uma cara de bobo sorrindo para paredes, pratos de comida, para o chão, até para o dever de casa. A Mione só confirmou o óbvio.
Gina tinha mudado a postura belicosa parecendo levemente constrangida em ter sido tão transparente. Harry estava atônito, afinal, Hermione não largara do seu pé nas últimas semanas exigindo que ele contasse o que ela sabia que Rony já sabia.
– Mas…ela era quem mais queria que a gente contasse.
– Claro – disse a amiga de um jeito azedo – tente ficar no meio de dois segredos para ver como isso é irritante. Sim – respondeu ela ante os olhares inquisitivos de Harry e Gina – porque o Rony também me proibiu de contar para vocês dois.
– Para sua informação – comentou Rony – ela também andava me aporrinhando para eu dizer que tinha percebido que vocês estavam juntos de novo.
– Mas por quê? – Quis saber Harry. – Por que é que, se você tinha sacado o que estava acontecendo, não veio logo falar com a gente?
Rony fez uma expressão satisfeita que beirava a maldade.
– Ahh… porque estava muito, mas muito mais divertido torturar vocês dois com perguntas que eu sabia que vocês não poderiam responder ou criando situações embaraçosas ou vendo o Harry ser incomodado diariamente pela Mione. Adorei ver vocês dois rebolando para inventarem histórias. Fazia tempo que eu não ria tanto. Além do mais… eu precisava de uma vingancinha, não acham?
Harry desarmou totalmente frente a reação generosa e quase inacreditável do amigo. Uma sensação de alívio foi se espalhando por ele, fazendo com que se desse conta da quantidade de músculos que tinha mantido tencionados até então. Sentiu que Gina igualmente relaxava ao seu lado e agradeceu que o assunto tivesse se desviado apenas para a coisa do não contar e não para o que Rony malfadadamente tinha visto.
– Você… – Gina falou com uma voz incerta, fazendo Harry perceber que, apesar da reação esquentada, ela também se sentia culpada em relação a Rony. – Você não está chateado com a gente?
Rony os olhou sério dessa vez.
– Estou – disse com simplicidade – claro que estou… mas, não se preocupe irmãzinha, eu não vou quebrar a cara do seu precioso namorado, mesmo que ele mereça, e também não vou fazer nenhum escândalo com você.
Gina e Harry trocaram um olhar de incompreensão.
– E eu posso saber o porquê dessa sua surpreendente maturidade, Ronald? – Gina perguntou cínica.
– Bem… – Rony admirou as próprias unhas e lançou um olhar metido para Hermione. – Por dois motivos. Um, eu seria realmente hipócrita se dissesse que não entendi porque vocês estavam com medo de me contar… depois do que eu vi – ele ficou levemente corado e mexeu com a cabeça como que para afastar a imagem. – E, além disso – deu um novo sorriso malvado – acho que vai ser vantajoso ter vocês dois bem culpados na minha volta.
– Como se você conseguisse arrancar alguma coisa de mim – reclamou Gina cruzando os braços.
– É… é possível que eu não consiga muita coisa com você, mas tenho grandes esperanças no Sr. “Me dê um soco” aí do seu lado. Embora, ache que você possa me render alguma coisa quando estivermos em casa, com a “Sra. Weasley” toda curiosa sobre a estranha felicidade da caçulinha. Quero dizer… você ainda é o bebê dela, não é? – Ele fez uma cara imitando as expressões extremadas da mãe. – O que ela não diria se soubesse que o bebê anda exibindo as roupas de baixo por aí!
O rosto de Gina assumiu um tom flamejante e ela só não avançou sobre Rony porque Harry, embora quase tão corado quanto a namorada, providencialmente a segurou.
– Você não se atreveria!
– Bem, como dizem os nossos amados irmãos Fred e Jorge: Vamos ver o quanto o seu sossego vale para você.
– Que coisa mais sórdida, Rony! – Revoltou-se Gina, fazendo força para se livrar dos braços de Harry que a seguravam pela cintura, mas o irmão não se abalou.
– Se está achando que vou ficar fazendo os seus deveres, Rony – acrescentou Harry, tentando desviar o assunto, embora conhecesse Rony o suficiente para saber que ele estava blefando para incomodar a irmã – pode esquecer.
– Ahh, não se preocupe. Tenho outros planos para você. No caso dos deveres, eu já estou usando a culpa da Mione.
Dessa vez, Harry não agüentou e começou ele a rir. O riso foi um pouco exagerado por causa do alívio, mas Rony o acompanhou, enquanto Mione tentava negar que estava fazendo deveres para ele e Gina fazia muxoxos exasperados.
Quando voltaram para o castelo, embora Harry sentisse frio e seu estômago roncasse, ele achou que a noite estava perfeita. O bom humor com que os quatro chegaram à Torre da Grifinória surpreendeu o resto do time, ainda abalado pelo treino. Os quatro passaram pelo buraco do retrato rindo gostosamente e, como tinham passado pela cozinha, vinham carregados de uma boa quantidade de comida. Harry se sentia tão feliz que chamou o resto da equipe para frente da lareira para dividirem o lanche e ele, Rony e Gina não pararam de repassar as táticas para o jogo até que todos se convencessem que, mesmo sem um treino decente, eles ainda tinham uma chance na partida do dia seguinte.
A verdade é que foi uma disputa bem apertada. O time da Lufa-lufa era menos talentoso, mas também menos irregular que o da Grifinória e jogava como uma máquina bem azeitada, sem brilho, mas eficiente. Rony atuou bem, mas deixou passar alguns gols orquestrados por Zacarias Smith. Harry teve a impressão que algumas das provocações do jogador da Lufa-lufa tinham irritado Rony o bastante para ele se atrapalhar algumas vezes, mas não o suficiente. Depois de uma defesa particularmente bem feita, Rony se encheu de confiança a passou a rebater as caçoadas de Smith na mesma moeda. Mas quem “acabou com o jogo” foi Gina. A ruiva estava num dia realmente espetacular e parecia controlar a goles por magia, tal a quantidade de gols que fez. Harry, por pelo menos umas três vezes, esqueceu de procurar o pomo apenas para ficar babando pelas jogadas inspiradas da namorada.
Numa dessas vezes, enquanto voltava no campo para segurar o contra-ataque, Gina passou voando perto dele.
– É melhor parar de me olhar desse jeito, capitão – ela falou marota e estava perto suficiente para que somente ele ouvisse. – Está me desconcentrando.
Harry não teve chance de responder, apenas sorriu e a acompanhou com os olhos enquanto a garota mais uma vez recebia um passe de Demelza, que roubara a goles, e numa finta rápida com Dino marcava outro gol para a equipe. Harry aplaudiu e deu gritos junto com a torcida da Grifinória, que estava vindo abaixo e já começava a ensaiar coros com o nome de Gina. Harry a viu se desvencilhar rapidamente do abraço comemorativo com Demelza e Dino e voltar ao ataque, mas percebeu que os olhos do artilheiro da Grifinória continuaram a seguir a menina.
– Sinto muito meu amigo – Harry falou baixinho – mas tudo o que você vai conseguir fazer daqui por diante é só olhar.
– HARRY!! – O grito de Rony o sacudiu de seus pensamentos e, com um aperto crescente na boca do estômago, ele acompanhou o olhar apavorado do amigo. O apanhador da Lufa-lufa estava voando perigosamente em direção a um canto próximo à tribuna dos professores e à grande velocidade. Harry não precisou olhar duas vezes para saber que não se tratava do ensaio de uma distração. O garoto tinha visto o pomo.
– Droga!!
Harry achatou o corpo contra o cabo da Firebolt e a fez dar toda a velocidade de que era capaz. Sua vassoura era certamente melhor que a do adversário, mas o outro já tinha uma grande vantagem. “Correeeeee”!!! Implorou como se a vassoura pudesse ouvi-lo. Estavam em vantagem no placar, mas se a Lufa pegasse o pomo passaria à frente, eles perderiam por bem pouco, e Harry teria desperdiçado todos o esforço da sua equipe. Quase como que sentindo que estava sendo caçado, o pomo mudou a direção do vôo, fazendo uma curva para a direita e, para o horror de Harry, ficando mais perto do apanhador da casa adversária do que dele. Harry guinou a vassoura com violência, inclinando o corpo tão perigosamente para o lado que pode ouvir a torcida soltar um “Uhuhhhh” aliviado por ele não ter caído. Tentou imprimir ainda mais velocidade à vassoura, mas sabia de antemão que não adiantaria. Era um cálculo absurdamente simples para um olhar treinado como o dele. Distância, velocidade, tempo. Ele podia ser mais rápido, mas o outro apanhador estava mais perto, logo… cálculo idiota, o outro ia chegar antes dele de qualquer jeito!
O vento o fustigava tão rapidamente que Harry podia sentir suas bochechas deformando pela velocidade, mas o esforço inútil só fazia com que ele xingasse mais a própria desatenção. O apanhador da Lufa-lufa também pareceu perceber que iria ganhar o jogo, porque virou para trás e deu um sorriso superior para Harry. Foi o erro dele. Um balaço o acertou na nuca e Harry observou atônito o adversário cair ainda com o sorriso nos lábios. Olhou para a direção de onde tinha vindo o balaço e Jaquito dava um suspiro de alívio. Harry apenas inclinou o corpo um pouquinho mais e, com um sorriso satisfeito, fechou a mão sobre o pomo.
A torcida da Grifinória deu um urro vitorioso, enquanto ele diminuía a velocidade ao ser abalroado pelo time inteiro num abraço coletivo. A equipe aterrisou sendo ovacionada pela multidão vermelho e dourada que cantava a plenos pulmões as palavras de ordem do jogo e os nomes dos jogadores. Os sete seguiram abraçados para os vestiários sob aplausos e acenando felizes para a torcida. Estavam mais perto que nunca de ganharem novamente o campeonato de Quadribol das casas.
– Vamos logo – apressou Dino, enquanto os colegas trocavam de roupas, embora seu olhar estivesse preso nos movimentos lentos de Gina – estamos perdendo a festa.
– Vai indo com a Demelza, Dino – falou Gina.
– Bem, você é a heroína da tarde, Gina – comentou a outra artilheira – seria melhor que viesse com a gente.
– Gina e Jaquito são os heróis da tarde – falou Harry trancando o armário com as vassouras. – Sem falar no Rony. Você fez defesas espetaculares, cara!
– Ora, Potter – caçoou Jaquito – você também em foi razoável.
O resto do grupo caiu na risada e Harry sorriu pedindo desculpas pela desatenção.
– Não se preocupe, capitão – comentou Cadu. – O que seria o jogo sem um pouco de emoção?
– Eu prefiro que a final seja sem esse “tipo” de emoção, se eu puder escolher – zombou Gina pondo-se de pé, enquanto o resto do time, inclusive Harry, gargalhava.
O único que ainda não estava pronto era Rony e com a vitória, não havia como Harry e Gina darem uma de suas sumidas. Resignada a menina se juntou ao resto dos jogadores e saiu em direção ao castelo, enquanto Harry ficava aguardando Rony. Harry achou que Hermione logo entraria pela porta, em busca dos dois, mas não aconteceu e, quando Rony terminou de amarrar os sapatos e o encarou, ele percebeu que também não ia acontecer.
– Agora vai ser só nós dois, Harry.
Harry soltou o ar, conformado.
– Eu achei que a sua reação tinha sido boazinha demais.
Rony arqueou as sobrancelhas e deu de ombros.
– Que bom que me conhece tão bem.
– Estava querendo agradar a Mione, ontem?
– Eu não menti ontem, Harry… só… não falei tudo o que eu queria.
Harry olhou para o amigo e fez que sim com a cabeça. Sabia que Rony não ia deixar barato o que tinha visto e que ia cobrar aquilo dele e não de Gina. Sentou num banco em frente ao amigo e com um gesto fez sinal que ele começasse. Nenhum dos dois tinha habilidade ou desenvoltura para aquele tipo de conversa. Eram os melhores amigos no mundo mas, quando se tratava de garotas, as conversas deles não iam além de: “como foi?”; “Bom”, ou “Molhado” – como respondera Harry sobre seu beijo em Cho – ou “a gente não conversa, fica só dando uns amassos” – como explicara Rony em relação ao seu namoro com Lilá. Mas agora não era só uma conversa sobre uma garota ou sobre como fora ou o que se fazia. A conversa era sobre a irmã do Rony e sobre o fato dele ter flagrado Harry praticamente ultrapassando o sinal vermelho.
– Er… – Rony limpou a garganta visivelmente constrangido – eu… as coisas entre você e a Gina estão… humm
– Rony, não aconteceu nada! – Harry atalhou rapidamente.
Rony ergueu um dos cantos do lábio.
– Ainda não, né?
Harry baixou a cabeça. Não tinha o que dizer. A cabeça dele dava voltas e mais voltas e parava sempre no mesmo lugar. De um lado, Gina. Uma garota incrível, que mexia com ele mais do que qualquer outra, a ponto de fazê-lo, frequentemente, perder a cabeça. Do outro, Rony e os Weasley. A família que praticamente o adotara, que confiava nele, e que provavelmente não aprovaria seu comportamento como namorado da caçula. Num terceiro canto da arena, ainda ficava um maluco homicida que o jurara de morte e que ameaçava todas as pessoas que se aproximassem dele. “Um quadro realmente encantador”, pensou com ironia.
– Harry, ao contrário do que você deve estar pensando, eu não vou entrar naquele discurso de: tire as patas de cima da minha irmã. Ok?
– Não? – Harry o olhou incrédulo.
– Não… pode parecer esquisito, mas não acho que seja o mais importante agora.
– Como assim?
Rony se inclinou para frente colocando os cotovelos sobre os joelhos e segurando as mãos e frente ao corpo. Ele estava muito sério.
– Harry, eu sei que você gosta da Gina. Sei que ficou malzão o tempo que passou longe dela. Sei que vocês dois parecem soltar faíscas quando estão juntos – Harry sentiu o rosto avermelhar e Rony olhou para lado, ficando também um pouco sem graça. – Mas eu queria perguntar é se você sabe exatamente o que a Gina sente por você?
– Ora, Rony – Harry achou a pergunta meio sem sentido – a Gina gosta de mim. Como eu gosto dela e…
– Não, cara – Rony voltou a olhar direto para ele – você pode “gostar” dela, mas a Gina te ama.
Harry estreitou os olhos tentando perceber onde Rony queria chegar. Afinal, amor era uma palavra bem forte e Gina nunca tinha dito isso para ele. Eles se gostavam. Muito. Só isso.
– Rony, eu acho que você está complicando as coi….
– Não estou complicando nada – atalhou o outro jogando novamente as costas para trás. – A Mione adora me chamar de legume insensível, trasgo, dizer que tenho a amplitude emocional de uma colher de chá, rir porque eu não percebia que ela gostava de mim ou porque eu não notei as manobras da Gina para chamar a sua atenção. Mas eu conheço a minha irmã, Harry. Ela teve uma paixonite infantil por você, mas isso tem pouco ou nada a ver com o que ela sente hoje. – Rony tomou fôlego. – Ela ama você. E isso não é por agora ou por um tempo. É para sempre. Ninguém gosta de uma pessoa desde os dez anos de idade impunemente. Você pode fazer o que quiser. Ela não vai desistir e não vai te esquecer. É assim que a Gina é.
Harry engoliu em seco e tentou puxar um pouco de ar, sem muito sucesso. Desde quando Rony tinha se tornado um cara tão… sensível? Desde quando ele tinha resolvido que podia colocar esse monte de coisas diante dos olhos de Harry e obrigá-lo a pensar que nas conseqüências do que estava fazendo? Uma coisa era tentar afastar Gina do perigo representado por Voldemort, outra coisa era correr o risco de magoá-la de verdade.
– Eu também gosto muito dela, Rony – argumentou em voz baixa e quase que pedindo desculpas.
– Eu sei. Não estou discutindo isso. Estou apenas te esclarecendo quais são os sentimentos dela e… bem, a forma como ela provavelmente está achando que você se sente. Se você tem certeza que sente o mesmo que ela… esquece tudo o que eu disse, ok? Mas se você gosta dela e está apenas… hum… – Rony limpou a garganta como se lhe custasse muito dizer aquilo – você está apenas com… er… sabe… vontade de…
Harry fez sinal de que estava entendendo o mais rápido que pode para que Rony não precisasse completar a frase.
– Bom, nesse caso – prosseguiu o amigo parecendo aliviado por ele ter entendido – eu só queria que você pensasse antes, sabe? Eu sei que todo mundo erra e faz besteira de vez em quando e, algumas vezes, mesmo que a gente não queira, os outros saem machucados, mas… Eu não queria que fosse você que machucasse o coração da minha irmã.
Harry nunca tinha se sentido tão pequeno na sua vida.
– Eu preferia morrer a magoar a Gina, Rony – estava sendo sincero.
– Eu não duvido – respondeu o amigo.
Harry ergueu a cabeça achando que poderia respirar melhor puxando o ar pelo alto. As palavras ditas por Gina em resposta a pergunta dele há semanas atrás ecoando na sua cabeça. “Ainda é a minha garota?” “Sempre, para sempre”, dissera ela.
– Eu entendo a sua… preocupação, Rony, mas… você fala de… bom, de certezas e coisas que têm a ver com o futuro. E eu posso estar morto amanhã, cara – percebeu que aquilo poderia soar estranho e arrematou – não estou dizendo que vou me aproveitar da sua irmã por causa disso, apenas que… Bom, eu não sei se consigo ter esse tipo de certeza, não agora. É muita coisa para pensar, para…
– Eu não estou exigindo que você a peça em casamento, Harry – Rony falou um pouco exasperado. – Não estou nem mesmo exigindo certezas da sua parte ou dizendo que se você não sente o mesmo que ela deve terminar. Só quero que você saiba exatamente onde está se metendo. E isso não tem nada a ver com futuro… qualquer um de nós pode estar morto amanhã. E tenho certeza que a Gina não vai deixar de te amar se por acaso você fizer a besteira de bater as botas – Harry não pode deixar de sorrir ao comentário. – Só quero que você pense nisso… a próxima vez que as coisas começarem a… sair do controle.
Harry fixou em Rony um olhar ao mesmo tempo impressionado com a perspicácia do amigo e apavorado com o que ele acabara de sugerir.
– Você sabe realmente como jogar um balde de água fria em um cara, não sabe?
Rony riu satisfeito.
– Depois do que eu vi ontem, eu achei que era exatamente o que você estava precisando companheiro.
Harry afundou as mãos entre a cabeça. Rony estava andando demais com Hermione. Como ele conseguira articular tudo aquilo e amarrar as mãos (e provavelmente todo o resto) de Harry daquele jeito.
– Você pensa no que me disse quando está com a Hermione? – A pergunta saiu antes que ele pudesse evitar e num tom muito infeliz. Na verdade, não estava nem querendo voltar o assunto contra o amigo, apenas buscando saídas e, talvez, solidariedade.
– Eu sou louco pela Mione, Harry, e tenho certeza que ela gosta de mim, mas…
– Mas…
– Bom, tirando o fato de que eu vou sempre correr o risco que um dia ela caia em si, perceba que eu sou um idiota e me mande pastar… Eu não faço o gênero “príncipe encantado”.
– Eu também não – respondeu Harry ficando ainda mais apavorado.
Rony fez uma careta antes de responder.
– A Gina é toda madura e descolada, mas lá no fundo… você é o herói dela. Não é como se ela tivesse se iludindo ou coisa assim. Ela te conhece. Sabe que você tem defeitos e tudo mais. Mas ainda assim… você é o sonho dela.
Harry afundou a cabeça nas mãos. E ele que tinha achado, até agora, que difícil era lidar com o desejo que sentia. Como é que ele ia lidar com isso? Rony tinha mostrado Gina de um tamanho tão grande na sua frente que ele se sentia pequenininho. Qualquer coisa que ele oferecesse para ela e fosse menos do que o que ela lhe oferecia parecia… mesquinho, indigno. Como é que ele ia beijar novamente a namorada sabendo que ela o amava daquela maneira tão grande e ele… ele não só não tinha certeza sobre o que sentia – a idéia de que estivesse sendo simplesmente guiado por hormônios o incomodava quase fisicamente – como não tinha certeza de que poderia um dia oferecer qualquer outra coisa para Gina, além da lembrança de uns amassos. Ele ainda era um homem marcado, perseguido, jurado de morte e… a única alegria que ele realmente tinha no momento acabava de ser…
– Eu te odeio, Rony – resmungou abatido.
O amigo não pareceu se condoer. Pelo contrário, sorriu com satisfação.
– Esse é meu garoto! Cheio de culpas e escrúpulos. Sempre se pode contar com a sua consciência para manter suas mãozinhas sob controle, não é?
Harry lhe devolveu uma expressão homicida que fez Rony rir gostosamente.
– Bem, já fiz a minha boa ação de hoje e ainda salvei a honra da família. Um dia realmente significativo para os Weasley – ele pegou Harry pelo braço e o ergueu contra a vontade. – Venha, estamos perdendo a festa.
– Eu não quero ir a festa nenhuma – reclamou Harry deprimido, enquanto era arrastado pelo amigo.
– Não seja idiota, não há nada que você precise mais do que uma festa agora.
– Como pode ter certeza?
Rony riu e continuou a puxá-lo pelo antebraço de forma mais que decidida em direção ao castelo.

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