domingo, 21 de outubro de 2012

2. By My Side


A quantidade de deveres para os N.I.E.M.S vinha aumentando em progressão geométrica a cada semana. O tempo dos sétimo-anistas andava tão apertado que era quase impossível ver um sem que estivesse com um livro nas mãos e uma cara meio pálida e apavorada. No caso de Harry, as coisas eram ainda piores em função de suas constantes saídas da escola em busca das Horcruxes. Ele nem saberia o que seria dele sem Hermione. É claro que a amiga e Rony iam quase sempre com ele em suas saídas de Hogwarts, mas como ela era muito mais organizada que os dois, conseguia manter-se sempre em dia e ainda ajudá-los. Assim, pela primeira vez em quase sete anos a proximidade dos exames e a necessidade de se qualificarem fez com que Harry e Rony não pulassem as revisões que amiga marcava para os dois.
Era por isso que em pleno sábado, tarde da noite, muitas horas após a biblioteca fechar, os três estavam sentados em uma das mesas da sala comunal da Grifinória, atolados de livros até quase a altura dos cabelos. Hermione corrigia os trabalhos dos garotos, explicava as dúvidas deles e ainda estava adiantando os seus próprios deveres. Rony escrevia febrilmente, e toda vez que a namorada colocava mais um livro à sua frente ele lhe lançava um olhar meio desesperado. Harry, porém, estava achando mais difícil se concentrar. Um grupo de sextanistas estava sentado em frente à lareira e não parava de rir. Não que rissem alto, mas pareciam realmente (e incomodamente) estar se divertindo.
– Então – ele ouviu a voz risonha de Colin Creevey – a Madame Pomfrey disse: “Fique calma Srta. Parkinson! Eu vou conseguir fazer as suas bochechas voltarem ao normal.”- Ele mau conseguia prosseguir a narrativa em meio as próprias risadas e as dos colegas. – Mas eu consegui tirar uma foto dela antes que Madame Pomfrey me expulsasse da Ala Hospitalar.
A foto devia estar circulando, pois pedidos de cópias surgiram entre as gargalhadas do grupo. Harry levantou os olhos do dever e pode observar Hermione olhando por cima do ombro para a turma perto da lareira. Devia estar considerando ir ver a tal foto. Harry sabia que a amiga realmente detestava Pansy Parkinson. Ela percebeu que ele tinha visto, deu um sorrisinho e baixou novamente a cabeça para o dever. Harry já começava a fazer o mesmo.
– Foi uma azaração realmente boa, Gina! – Elogiou Juca Slooper cheio de admiração.
– Obrigada – disse a garota – mas ela não tinha nada que ter azarado o Colin pelas costas para começar.
A pena pendia na mão de Harry pingando tinta no pergaminho que ele aparentemente olhava com grande atenção, mas sem realmente enxergá-lo. De que era o dever mesmo? Olhou um livro à frente dele. Ah, Aritmancia! Mas ele não fazia, Aritmancia, era Tranfiguração. Isso… o dever era de Transfiguração…
– Ah, mas valeu à pena ser azarado – novamente a voz de Colin – só para ver ela se dar mal. Foi brilhante, Gina!
– É, mas a Gina pegou uma detenção por causa disso, Colin. – Argumentou uma voz de menina que Harry não reconheceu.
Foi seguida de vários protestos de que aquilo era uma injustiça.
– Ah, não esquentem! Limpar a sala de Troféus é moleza – disse Gina com pouco caso.
– Se você quiser, eu posso ir te ajudar Gina – falou Juca Slooper.
Harry virou tão violentamente a cabeça para o lado da lareira que o pescoço estalou dolorosamente. Ele teve de largar a pena e levar a mão à parte dolorida enquanto observava o ex-batedor da Grifinória olhar ansioso para Gina.
– Obrigada, Juca – a garota não pareceu se alterar nem um pouco – mas não se aceita ajuda nas detenções.
E depois ela virou para a menina sentada ao seu lado, parecendo trocar de assunto, pelo que Harry viu.
Ele voltou a cabeça para frente e segurou um palavrão baixinho “por causa da dor no pescoço”. Rony e Mione tinham os olhos fixos nele. A amiga mordia o lábio inferior, parecendo mortificada. “Ótimo”, pensou, sentindo uma raiva borbulhante invadi-lo, – “além de ter de aturar metade da escola se atirando para cima da minha gar… da Gina, ainda ficam esses dois me olhando com pena”. Começou a juntar suas coisas o mais rápido que conseguia. Tinha que sair dali.
– Hã… Espera aí, Harry. Onde é que você vai? – Perguntou Rony.
– Dar uma volta – respondeu em voz baixa. – Para mim chega!
– Não… – Rony dava a impressão de que queria fazer alguma coisa que pudesse ajudar – Mione manda aquele pessoal ir dormir. A gente está estudando e você é a monitora-chefe.
Hermione pareceu realmente considerar a idéia antes de dizer.
– Não dá, Rony… É sábado. Eles têm o direito de se divertirem. E… nem estão rindo alto…
– Ah, qual é? Se você não vai, eu vou. – Disse o garoto já fazendo o movimento de se levantar.
– Não, Rony! – Harry o impediu. – Eu disse que já chega de estudar por hoje. E… eu realmente estou precisando dar uma volta.
– Harry… – Hermione tinha um tom penalizado.
– Não esquenta, Mione. Eu só vou tomar um ar, ok? Eu estou com a capa – acrescentou em voz baixa, enquanto pegava a capa de invisibilidade de dentro da mochila e a embolava sob o suéter. – Rony? Você pode levar meu material para cima, quando subir – o amigo confirmou, ainda com uma expressão tão cheia de dó que dava vontade de socá-lo. – Obrigado.
Os risos e piadas dos sextanista continuavam e Harry apressou o passo em direção ao buraco do retrato, tanto para parar de ouvi-los, quanto para parar de sentir os olhares de Rony e Mione queimando-o às suas costa. Assim que saiu, o retrato fechou a abertura abafando misericordiosamente as vozes vindas da sala comunal.
– Não é meio tarde para você sair por aí? – Perguntou a Mulher Gorda, mas Harry não lhe deu nenhuma atenção. Desdobrou a capa e jogou-a sobre a cabeça. – Você não tem jeito mesmo – ouviu a pintura resmungar.
Harry seguiu pelo corredor frio, varrido pelo vento que entrava pelas aberturas. Lá fora, uma noite nevoenta e chuvosa grudava-se as janelas como se fosse ao mesmo tempo sólida e viscosa. Um movimento adiante lhe avisou que Filch estava fazendo a sua ronda, Harry virou à direita e entrou na sala de aula mais próxima da torre da Grifinória. Estava com a capa de invisibilidade, mas quem não queria ver outra pessoa era ele. Queria apenas um canto onde pudesse ficar quieto sem ver nem ouvir ninguém, sem sentir os olhares pesarosos dos amigos, sem ser apontado pelos outros.
Escorou o corpo na parede próxima à janela e escorregou até o chão. Que coisa idiota de se pensar, mas se alguém lhe perguntasse, naquele momento, o “famoso” Harry Potter daria qualquer coisa que lhe pedissem para se chamar Juca Slooper e estar sentado perto do fogo na sala comunal da Grifinória. Sem se preocupar se havia um doido querendo a sua cabeça e ameaçando qualquer pessoa que estivesse próxima dele. Sem ter que estudar magia avançada tendo como único propósito ficar vivo. Sem ter que se preocupar em fechar sua mente dia e noite para que seus pensamentos e pesadelos não virassem armas contra ele nas mãos dos seus inimigos.
Harry não saberia dizer quanto tempo ficou ali, sentado no chão frio, sentindo pena de si mesmo, mas não tinha a menor vontade de retornar para a torre ou para o dormitório antes de ter certeza de que todos já tinham ido dormir. Um barulho o trouxe a tona do mar de autocomiseração em que tão diligentemente estava tentando se afogar. Ele endireitou as costas e sacou a varinha prendendo a respiração. Esperava não ter de azarar Madame Nor-ra, caso ela o farejasse, não estava nem com tempo nem paciência para isso. Mas não foi a gata do Filch que entrou. Com o queixo caído, Harry viu Gina cruzar a sala com passos duros e sentar-se em cima da classe que ficava exatamente em frente à mesa do professor.
A massa de cabelos vermelhos lhe impedia de ver o rosto da garota. O que ela estava fazendo ali àquela hora? Um segundo barulho o sobressaltou ao mesmo tempo em que um pensamento horrível lhe cruzou a cabeça. E se ela tivesse marcado um encontro ali com alguém? Ah não, Deus, por favor, faça que não seja isso. Isso não…
– Gina?
Nunca na vida, Harry tinha gostado tanto em ouvir a voz de Hermione ou de vê-la caminhar, como ela fez, cruzando a sala até a amiga.
– Gina – disse a garota parando em frente à ruiva – o Rony não quis dizer…
– O Rony quis dizer exatamente o que ele disse, Mione. – A voz dela soou mais triste do que raivosa, o que não era comum se ela tinha brigado com o irmão, como parecia ter sido.
– Gina, o Rony não tem nenhuma sutileza… eu que o diga… ele não está entendendo nada. Olha, eu vou explicar para ele e tenho certeza que ele vai compreender.
– Nem se canse, Mione. Eu até acho que ele tem razão, sabe? Eu… não sei se vale à pena você falar com ele já que… – ela ergueu os olhos e Harry se esticou tudo o que deu para ver o seu rosto por entre os cachos de Hermione. – Não está adiantando muito, não é mesmo?
Hermione soltou um longo suspiro e fez um carinho no cabelo da amiga.
– Não creio que nenhuma das alternativas que você tinha pudesse adiantar, Gina.
De que diabos elas estavam falando?
– Eu sei… – Ela fungou e Harry sentiu a voz dela sair embargada – mas naquele dia… depois do enterro, quando pegamos o trem… ah, Mione, eu estava destruída e… e aí… foi o Rony mesmo que disse que eu só ia piorar as coisas porque ia fazer o Harry se sentir culpado e… – Hermione abraçou Gina que agora chorava abertamente.
Harry tinha parado de respirar. Quase um ano… Bem, talvez bem menos que isso, mas para ele fazia muito tempo, mas pelo menos desde o casamento de Gui e Fleur um pequeno demônio em sua cabeça o atormentava dizendo que Gina tinha finalmente desistido dele, se decepcionado, que ela não dava a mínima importância para o fim do namoro. E agora… ela dizia que tinha escondido que estava sofrendo só para ele não se sentir culpado. Estava chorando… por causa dele. Uma onda de felicidade o invadiu no mesmo momento em que uma voz chocada gritava dentro dele: “MONSTRO!!”
– Eu só queria… não atrapalhar. Ele já tem tanto o que pensar… quero dizer… não queria que ficasse… preocupado comigo.
– Eu sei, Gi, eu sei. – Disse Hermione dando tapinhas nas costas da amiga.
A sensação de que um bicho há muito tempo preso tinha conseguido se soltar inundou Harry de tal forma que ele não conseguiu mais ficar sentado. Levantou o mais silenciosamente que conseguiu, guardou a varinha e começou a contornar a sala. As duas continuavam abraçadas e Harry queria ficar de frente para Mione e às costas de Gina. Estava já no meio do caminho.
– Eu vou falar com o Rony, Gina. Não é justo ele te atacar daquele jeito.
– Do ponto de vista dele é… – Hermione fez uma expressão incrédula, Gina era compreensiva com quase todo mundo, menos com o Rony… Coisa de irmãos. – Eu não culpo ele, Mione. Só tenho medo é que o Harry esteja vendo a coisa do mesmo jeito. – Ela jogou os cabelos para trás num gesto impaciente. – Meu Deus, às vezes eu acho que sou tão óbvia, que não consigo disfarçar… Pôxa, qualquer um nota que eu não consigo parar de olhar pra ele.
– Mas ele não vê, Gi – contemporizou Mione.
– Ah, por favor! E todas as vezes que cheguei à mesa do café da manhã com a cara inchada depois de passar a noite chorando. Mais do que isso, teria de andar soltando feitiços sinalizadores.
– Você disse para ele que era gripe – respondeu a amiga pacientemente.
– E ele acreditou?
Hermione deu de ombros e fez que sim com a cabeça. As duas se olharam por um instante e depois começaram a rir, Gina enxugando as lágrimas.
– Meninos – resmungaram quase em uníssono.
– Será que todos são tapados assim ou só os “nossos”? – Perguntou Gina.
Harry ainda estava se movimentando escorado à parede e, apesar de ser chamado de “tapado” não pode deixar de sorrir com aquele “nossos”. Estava de frente para Hermione agora.
– Bem – começou a amiga – não sei dos outros, mas acho que fomos particularmente premiadas nesse caso. – Elas recomeçaram a rir.
Harry abriu uma parte da capa, rezando para Hermione ser discreta ao vê-lo. Fez um breve sinal com a mão para lhe chamar a atenção. Mione arregalou os olhos, mas felizmente Gina não a olhava naquele momento. Harry fez um sinal para que a garota fosse embora. A amiga pareceu ter entendido que ele queria que ela levasse Gina e já ia tocar no braço da ruiva para convidá-la para voltar, quando Harry começou a fazer movimentos furiosos com as mãos. Depois de alguns segundos de agonia, Hermione entendeu que era só para ela ir embora. Deu um sorrisinho e mordeu o lábio para impedir-se de parecer exultante quando se virou para Gina.
– Eu… vou voltar para a Sala Comunal, Gina – a ruiva fez um breve movimento com o corpo e Mione completou apressada – o Rony ficou me esperando. Eu quero falar com ele também, afinal ele não tem nada que se meter.
– É… bom…vai indo então – disse Gina, voltando a relaxar o corpo para o alívio de Harry – eu não estou nem um pouco a fim de falar com Roniquinho agora. Vou dar mais um tempo por aqui.
– Certo – Hermione falou dando um beijo na bochecha de Gina e começando a se encaminhar para a porta. – Hã… – virou-se antes de sair – toma cuidado, ok?
– Ok – respondeu Gina, mas o recado não era para ela e sem que a ruiva visse, um insólito polegar em sinal de positivo flutuou no fundo da sala. Hermione deu um sorriso e sumiu pela porta.
Harry esperou alguns segundos antes de se aproximar pelas costas da garota até chegar ao seu lado. Colocou devagar a mão na cintura dela e Gina deu um pulo e um gritinho de susto.
– Shssss – sussurrou – é melhor falarmos baixo.
– Harry?
Num movimento rápido ele a cobriu com a capa e a puxou para mais perto. Gina tinha um olhar fascinado quando girou na mesa e ficou de frente para ele.
– Você ouviu tudo?
– Você quer mesmo conversar? – Perguntou ele no mesmo sussurro.
Gina fez que não com a cabeça, um sorriso frouxo nos lábios. Harry colocou uma das mãos entre o rosto e o pescoço dela e a puxou para si num beijo saudoso, enquanto se acomodava entre os joelhos da garota. A outra mão correu pela cintura estreitando ainda mais o espaço entre os dois. Por um tempo incalculável, pois medidas reais não se aplicam em momentos assim, Harry achou que até mesmo que poderia deixar de respirar, desde que continuasse a beijar Gina. Estava com tanta saudade dela que doía.
Gina passou os braços pelo seu pescoço e ele desceu a outra mão para a cintura dela. Melhor! Ficaram ainda mais perto e Harry começou a achar que a sala estava ficando subitamente abafada. Gina lhe fazia um carinho suave no pescoço com as pontas dos dedos. E pareceu a Harry que ela tinha descoberto uma espécie de botão que ele nem imaginava que existia ali, mas que tinha um efeito impressionante. A cada carícia ele sentia seu corpo ficar mais forte, com mais vontade de tê-la perto de si, mas ao mesmo tempo o seu cérebro parecia embotar rápida e perigosamente até que nenhum pensamento sensato cruzasse nele.
Certo, nobreza e caráter eram coisas que ele gostava de pensar sobre si mesmo e que provavelmente o definiam tanto quanto imprudência e temeridade. Harry tentou buscar pelos dois primeiros, mas eles estavam certamente em algum lugar onde o cheiro floral de Gina, que o invadia sem piedade naquele momento, os impedia de fazer qualquer movimento. Suas outras duas características pareciam, pelo contrário, muito vivas e para o desespero de um resto de sanidade que ele tinha, pareciam ter o completo comando das suas mãos. As duas, como que cansadas de acariciar a textura do suéter de Gina, haviam começado a erguer a barra e seus dedos já suados passaram a deslizar sobre a camisa fina.
Harry se afastou um pouquinho enquanto lembrava que Gina tinha o mesmo ponto fraco no pescoço que ele. Quando namoravam era só tocar com os lábios ali e… Juntou o pensamento a ação e a garota soltou um gemido abafado. Harry agradeceu à própria memória, embora reconhecesse que a reação dela tinha feito misérias com o seu cérebro já embotado.
As mãos dele já estavam inteiras sob o suéter, mas não pareciam contentes. Agarravam-se à camisa da garota, afastando-a do corpo dela, abrindo espaço. Gina o empurrou levemente e Harry achou que finalmente ela ia ser sensata e mandá-lo parar, mas ao invés disso, ela começou a puxar o suéter dele para cima.
– Está muito quente – disse arfante.
No segundo seguinte, as duas peças de roupa mais grossas jaziam no chão junto com a capa de invisibilidade e os dois estavam grudados de novo. Harry agora tinha certeza que mais um pouco daquilo e eles iam acabar fazendo uma loucura. Estavam bem próximos disso ali sozinhos, pensou, enquanto sua mão subia lentamente sob a saia dela. O problema era que não conseguia parar. Era como se a saudade e o medo houvessem acabado com qualquer pudor ou vergonha entre eles. Ou talvez, fosse simplesmente porque era para ser assim. De qualquer jeito, era só tocá-la para ele ter certeza que precisava de Gina como precisava de ar. A mão da garota avançou sob a frente da sua camiseta, fazendo um arrepio subir por todo o seu corpo. Um último resquício de sanidade veio à tona.
– Gi… eu acho que…
Mas um barulho ensurdecedor varreu o corredor cortando a sua frase. Harry deu um pulo para trás puxando a camiseta para baixo, enquanto Gina fechava os botões abertos da camisa com uma expressão apavorada. Uma gargalhada seguiu o barulhão e eles ouviram as portas das salas próximas sendo escancaradas com violência.
– Pirraça! – Disse Harry num sussurro urgente, enquanto pegava da mão dela e recolhia a capa de invisibilidade do chão. – Vem! – Jogou o tecido fluido sobre os dois e a puxou para perto da parede.
O poltergeist ia certamente irromper ali e o medo de serem pegos os tinha deixado ainda mais arfantes. Mas o balde de água fria teria funcionado bem melhor se eles não tivessem que ficar colados sob a capa esperando que o Pirraça viesse e se afastasse. Harry nunca achou que a capa pudesse ser tão quente. Ele mal conseguia puxar o ar com Gina encostada nele daquele jeito, a mão que a segurava pela cintura parecia inconformada em ter de parar de explorar, talvez por isso continuasse a pressioná-la contra ele com carinhos curtos e incontidos. Ela amoleceu o corpo e se virou de frente para ele. Os olhos castanhos brilhavam intensamente na penumbra.
– Harry – o tom era quase de censura.
– Quê? – Ele nem estava fazendo nada, pelo menos não estava nem perto do que queria fazer. Mas a verdade é que ele tinha perdido quase definitivamente o controle sobre as mãos que pareciam não estar nem aí para o fato de Pirraça estar vindo em direção a eles.
– Não é o lugar – outra porta estourou ao lado da sala onde estavam e Gina estremeceu – nem a hora.
A frase teria tido melhor efeito, pensou o garoto, se ela não o tivesse pressionando contra a parede, sem que nem uma agulha pudesse passar entre os dois.
– Eu sei – respondeu rouco, os olhos verdes, agora escuros, perdidos nos dela.
Mas ao invés de se afastar, ele baixou a cabeça e começou a beijá-la de novo. E de novo, não encontrou nenhuma resistência.
Pirraça entrou na sala com violência fazendo os dois saltarem de susto, mas Gina estava tão firmemente presa a ele que não se afastou muito. A gargalhada irritante do homenzinho parecia furar os tímpanos enquanto ele virava cadeiras e classes e tentava abrir o armário de tinteiros. Por mais que odiasse, Harry teve que admitir que a interrupção fora oportuna. Nem ele, nem Gina, teriam conseguido parar sozinhos. Pegou a mão dela e começou a andar em direção à porta, mantendo-se juntos e escondidos sob a capa. Já estavam quase na porta.
– Uhuuu – guinchou Pirraça – roupinhas… – Harry e Gina congelaram. Trocaram um olhar aflito: os suéters! Tinham esquecido os suéters. – Será que tem aluninhos por aqui? Roupinhas são sinal de aluninhos fazendo que não devem – Pirraça cantava as palavras maldosamente e parecendo muito feliz por poder fazer o circo pegar fogo. – Apareçam aluninhos… o tio Pirraça promete que não vai contar nada – e com um grito cheio de perversidade ele começou a virar as mesas com mais violência, procurando mais alguma coisa, ou alguém.
Os dois conseguiram sair da sala sem serem vistos, mas não foi o bastante. Pirraça já parecia ter se dado conta de que não havia ninguém na sala e vinha vindo para o corredor.
– Corre! – Disse Harry saindo em disparada puxando Gina pela mão. A capa voando e deixando as pernas dos dois insolitamente à mostra.
O grito de Pirraça atrás deles denunciou que ele os tinha visto. Foi o tempo de dobrar o corredor em direção a porta da Sala Comunal e Harry começou a praticamente gritar a senha para acordar a Mulher Gorda. Ela abriu os olhos fora de foco.
– Hã… o quê? – Ela só via pernas e gritos.
– Feijões Mágicos, feijões mágicos… abre logooo!
Pirraça tinha dobrado o corredor também e isso pareceu convencer a Mulher Gorda que virou-se para o lado.
– Ora, francamente – resmungou.
– Depois você nos xinga – falou Gina – agora fecha isso que ele não pode entrar aqui!
O quadro bateu com violência assim que os dois pularam para dentro da sala quase se estatelando no chão. Ficaram se encarando por uns segundos e depois caíram na risada. Harry se jogou sobre uma das poltronas, o riso era incontrolável e parecia vir de um ponto abaixo do estômago dele que tinha estado muito tenso e agora ia se descontraindo. Gina se encostou na guarda do sofá com a mesma risada aliviada. Demorou um tempo até que eles se controlassem. Harry se endireitou na poltrona.
– Gina… eu…
– É melhor eu subir Harry.
– Mesmo? – Ele estava desapontado.
– Tem razão – disse provocativa – a sala da Grifinória é bem mais segura, com meu irmão podendo descer àquelas escadas a qualquer momento preocupado porque você ainda não está na sua cama.
Harry baixou os olhos. Se Rony pegar os dois fosse todo o problema de estarem juntos, ele aceitaria de bom grado ouvir umas poucas e boas do amigo ou até coisa pior, mas não era. Virou de costas para ela e começou a olhar as brasas já mornas na lareira.
– Você está certa. É melhor subir. Eu…
– Promete que não vai acontecer de novo? – Ela interrompeu tirando a frase da sua boca.
Harry se virou para encará-la completamente aturdido. Gina, no entanto, estava sorrindo.
– Não faça promessa que não vai cumprir, Harry… Mas não se preocupe, não vou pular no seu pescoço amanhã, tá? Isso… isso fica só entre a gente. – Ela virou para as escadas e lhe jogou um beijo e um “boa noite”.
É, certo, ninguém precisava saber, bastava que os dois soubessem. Ninguém podia arrancar isso da mente dele, ele estudara como um louco para garantir isso. Ainda era perigoso, muito perigoso, mas… se fosse um segredo…
– Gina – chamou antes dela sumir na porta do dormitório. A garota se voltou com uma expressão meio chateada como se esperasse que ele fosse dizer as coisas “nobres e idiotas” de sempre.
– Você… – ele engoliu antes de continuar – Você ainda é a minha garota, não é?
Gina riu e jogou a cabeça para trás.
– Sempre, Harry – ela o olhou de frente. – Para sempre…
Ele a viu sumir na porta do dormitório das meninas. O coração ocupando dentro do peito um lugar muito maior que o normal. Harry ainda não sabia, mas só com a lembrança daquela frase ele ainda ia fazer um patrono capaz de afastar uns mil dementadores.

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